• chevron_right

      É hora de o Brasil apontar o dedo para as Forças Armadas e desembarcar do cinismo golpista

      news.movim.eu / TheIntercept · Monday, 16 January, 2023 - 14:06 · 5 minutes

    coluna-carla-jimenez-exercito

    Ilustração: The Intercept Brasil; Getty Images

    Para acompanhar os textos de Carla Jimenez em primeira mão, assine a newsletter do Intercept.

    O dia 8 de janeiro expôs ao Brasil a materialidade de um crime que estava em gestação no submundo da política. Houve um intento de golpe de estado transmitido praticamente em tempo real por milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro. Desde então, já sabemos que há potencial para novos atentados violentos, que há integrantes golpistas nas Forças Armadas e na Polícia Militar, e até que o ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, Anderson Torres, tinha uma minuta pronta para contestar o resultado das eleições de 2022.

    Uma janela foi aberta neste domingo para desembarcar do cinismo das argumentações retóricas, como a famigerada “liberdade de expressão” defendida por bolsonaristas, e passarmos a chamar as coisas pelo verdadeiro nome por vias oficiais, saindo da tucanização que a falsa diplomacia brasileira carrega em seu DNA. “Os desprezíveis ataques terroristas à democracia e às instituições republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores e os anteriores e atuais agentes públicos coniventes e criminosos, que continuam na ilícita conduta da prática de atos antidemocráticos”, escreveu, no mesmo dia 8, o ministro Alexandre de Moraes em uma inédita decisão de afastar do cargo por 90 dias o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha.

    Enquanto o mundo assistia estarrecido às imagens da réplica malfeita da invasão do Capitólio nos Estados Unidos, nasciam novos braços institucionais para blindar a democracia. A Advocacia Geral da União, a AGU, criou o Grupo Especial de Defesa da Democracia, e a Procuradoria Federal de Direitos do Cidadão, a PFDC, formou o Grupo de Apoio à Defesa da Democracia para agilizar a comunicação entre os órgãos públicos.

    “Temos notícias da criação de diversos grupos extremistas. Precisamos nos unir para desmobilizá-los e promover a estabilidade necessária ao nosso país”, me disse o procurador Carlos Alberto Vilhena, da PFDC. Até a Procuradoria-Geral da República anunciou, dias depois, um Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos para não ficar atrás.

    Parte da imprensa parece rever também o seu papel. Ainda soa estranho ouvir os apresentadores do Jornal Nacional anunciarem “vândalos” ou “atos terroristas” de uma massa de pessoas brancas, viúvas da ditadura militar. Faz bem pouco tempo que no Brasil a imprensa se negava a admitir que Bolsonaro era um mandatário de ultradireita.

    A nossa geração não tinha ideia do que era a extrema direita em ação. A era bolsonarista e seus atentados nos apresentaram essa realidade. Nos últimos dias, até os mais céticos — excluindo os fanáticos “patriotas” — perceberam o tamanho da encrenca.

    Agora, já não há dúvidas de que integrantes das forças de segurança do Planalto abriram as portas para os golpistas invadirem a praça dos Três Poderes, como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada – isso porque a posição dos estilhaços indica que as vidraças foram quebradas de dentro para fora.

    Antes do fatídico 8 de janeiro, havia agressões verbais, milícias virtuais e uma negação de que, nessa dinâmica com roupagem de “liberdade de expressão”, havia incitação a crimes. Foi a tese sustentada pelo governo Bolsonaro e os generais em seu entorno, como Hamilton Mourão.

    O general Villas Bôas plantou as sementes que colhemos com Bolsonaro presidente e com o terrorismo.

    É a mesma hipocrisia da qual são vítimas inúmeras mulheres que denunciam as ameaças de agressão de seus parceiros, mas são ignoradas até que uma tragédia aconteça. A democracia brasileira também viveu sua tentativa de feminicídio no último domingo, desnudando a desfaçatez que permeia as relações de poder no Brasil desde a fundação da República.

    Os militares nunca deixaram de querer se colocar como uma instância superior e heroica. Fomentaram o messianismo de inocentes úteis em nome da pátria. Pessoas idosas, gente simples que ingenuamente se colocou em acampamento, seguindo mensagens religiosas, quiçá para aplacar a solidão de não conseguir acompanhar uma sociedade mais complexa, com o fortalecimento de diversos estratos que antes não tinham voz. Não faz tanto tempo que o general Villas Bôas fez ameaças dissimuladamente golpistas às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula, que poderia liberá-lo da prisão. Foi um tuíte sinuoso que deu aval aos “patriotas”. “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, escreveu ele, em 3 de abril de 2018, arvorando-se uma competência que jamais coube às Forças Armadas.

    Villas Bôas, então comandante do Exército, plantava as sementes que colhemos com Jair Bolsonaro presidente e com os atos terroristas de domingo. Maria Aparecida Villas Bôas, esposa do general, inclusive, era uma visitante entusiasta dos “cidadãos de bem” em frente ao quartel-general de Brasília.

    “Ficou claro agora que essas pessoas são capazes de cometer crimes, ações materiais muito violentas, com o intuito de iniciar um caos geral que levasse ao colapso das instituições”, me disse o jurista Carlos Ari Sundfeld , presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público. “Não é só uma possibilidade. O fato ocorreu, a partir de um caldo de cultura fomentado também por pessoas como as deputadas Carla Zambelli, Bia Kicis, por Bolsonaro”, completou.

    Não estamos em 1964. O mundo se move para fortalecer a democracia contra governos autoritários. Não podemos mais baixar a guarda, mesmo que uma boa parte do Brasil ainda esteja cego. Não vai ser em um dia, em um mês ou em um ano que o país vai colocar tudo no eixo. Esses tristes anos de governo Bolsonaro, ao menos, nos ensinaram a resistir e a reconhecer os hipócritas e a perceber como são camaleônicos. Temos de ensinar às próximas gerações a identificar esses falsos democratas.

    The post É hora de o Brasil apontar o dedo para as Forças Armadas e desembarcar do cinismo golpista appeared first on The Intercept .

    • wifi_tethering open_in_new

      This post is public

      theintercept.com /2023/01/16/hora-de-apontar-o-dedo-para-forcas-armadas-e-desembarcar-do-cinismo-golpista/

    • Pictures 2 image

    • visibility
    • visibility
    • chevron_right

      PT planeja abraçar antirracismo – mas pauta não pode depender apenas do governo da vez

      news.movim.eu / TheIntercept · Wednesday, 21 December, 2022 - 15:03 · 8 minutes

    Ilustração: The Intercept Brasil; Getty Images

    Ivi pega o trem de Ferraz de Vasconcelos até a estação Barra Funda, em São Paulo, e segue a pé para o apartamento onde trabalha há mais de 10 anos no bairro de Perdizes. Conversa com a dona da casa sobre a rotina do dia. Depois, fecha a porta da cozinha para lavar a louça enquanto ouve no celular uma aula sobre o papel da agricultura nas margens do rio Nilo no Egito Antigo. Vai para o curso da Educação de Jovens e Adultos, o EJA, no final da tarde e aproveita o dia para revisar matérias do dia anterior, com ajuda de aulas online que encontra no YouTube. Está no sétimo ano e, em 2023, estará no oitavo.

    Às vezes, Ivi faz a lição enquanto almoça no apartamento onde começou a trabalhar como babá em 2010. A criança de quem cuidava hoje é um estudante universitário. O trabalho de Ivi atualmente é limpar e organizar a rotina na casa da família. Tem carteira assinada e uma patroa que insistiu muito para que voltasse a estudar. O fato de ela assistir ao noticiário da tela do celular enquanto trabalhava deixava a patroa — uma mulher branca de classe média — impressionada. Passou a pagar o Uber para que Ivi voltasse da escola para casa e evitasse o ônibus tarde da noite.

    Ivi é baiana, negra, quase retinta. Veio do município de Castro Alves, quando se viu sozinha com dois filhos e precisou trabalhar para sustentá-los. O pai das crianças fez outra família e deixou Ivi na mão, sem pensão ou apoio. Restou a ela arriscar-se a vir para São Paulo, mais de 20 anos atrás. Deixou os filhos com a mãe na Bahia, enquanto corria atrás de um emprego que permitisse estruturar uma casa antes de trazê-los em definitivo. Ivi largou a escola ainda cedo, pois trabalhar era prioritário. Não queria ver a mãe chorar outra vez por não ter o que comer. Seu pai também deixou a mãe sem apoio para viver com outra família.

    A retomada dos estudos tornou-se um tema recorrente nas conversas com sua patroa há pelo menos três anos. Ivi um dia admitiu que seu sonho era ser juíza. Mas resistia à ideia de voltar à sala de aula. Julgava já ter progredido o bastante para uma mulher que se viu obrigada a trabalhar desde criança. O emprego atual é o primeiro a lhe garantir carteira assinada em seus quase 50 anos de idade.

    Vive numa casa alugada em Ferraz com o filho Marcelo, de 25 anos, que abandonou os estudos tempos atrás, apesar dos apelos da mãe para se manter na escola. Hoje, ele trabalha com marcenaria. A filha mais nova, Michele, já saiu de casa. Mora sozinha e trabalha numa farmácia. Terminou o colégio, mas seu sonho é ter um diploma universitário. Queria arquitetura ou administração. Mas na rede em que trabalha, há a chance de cursar farmácia.

    O entusiasmo da mãe com as aulas no EJA contagiou os filhos, que começam a fazer planos de voltar a estudar em breve. Mas as dificuldades de acesso vão desanimando. Michele chegou a ganhar um pacote de aulas particulares online de uma amiga da mãe para incentivá-la.

    O professor, branco, viu nela um enorme potencial, embora reclamasse de um certo desleixo em suas lições. Michele justificou que a tela do celular dificultava o acesso ao material que ele enviava para que ela estudasse. Ele ficou envergonhado ao perceber que reclamava da lição quando, na verdade, faltava um computador decente em que pudesse estudar. Para estimular a aluna, entrou em grupos de amigos no WhatsApp pedindo ajuda para comprar um computador usado. Um amigo seu se solidarizou e acabou doando um notebook.

    Marcelo espera a oportunidade de retomar o supletivo. Por ora, não consegue chegar no horário da escola, porque a marcenaria não dá folga. Não recebe vale-transporte nem vale-alimentação para fazer render seu parco salário. Depende do demorado transporte público. Não tem carteira assinada.

    Precisamos dar mais do que um apoio descompromissado em campanhas contra o racismo nas redes.

    Milhões de famílias negras do Brasil, como a de Ivi, precisam ser vistas em todo o seu contexto para terem oportunidades de progredir. Partiram de um lugar menos privilegiado que os brancos apenas pela cor. É preciso um suporte principalmente do poder público, mas também dos brancos que testemunham suas batalhas.

    Ainda há brasileiros que falam com gosto que “odeiam preto” por pura maldade. E seguimos às voltas com pessoas de espírito miserável como a pediatra de Ribeirão Preto que manteve em sua casa por 27 anos uma empregada doméstica em regime de escravidão. Em pleno 2022. Não adianta olhar para o lado. É sobre nós também, que precisamos dar mais do que um apoio descompromissado em campanhas contra o racismo nas redes sociais.

    O Brasil está saindo de um governo cujo ministro da Educação dizia que a universidade era “para poucos”. Poucos, nessas entrelinhas, pode ser sinônimo de “brancos”. Os estudantes negros foram os mais afetados pela pandemia, conforme análise do Itaú Social, da Fundação Lemann e do BID, e são maioria quando o assunto é evasão escolar. Muitos repetem o ciclo de Ivi, que precisou parar de estudar para ajudar em casa com o salário.

    O novo governo tem planos de articular políticas específicas para ajudar a corrigir a desigualdade da população negra, como já fez no passado com as cotas raciais. Deve retomar, inclusive, o Ministério da Igualdade Racial, pois foi uma maioria de eleitores negros, assim como eleitoras mulheres, que elegeram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Logo, o novo presidente acha justo que os dois grupos tenham um ministério cada um, como tiveram nos governos petistas anteriores.

    A missão de abraçar a pauta antirracista, que inclui a reflexão sobre privilégios e deveres de brancos, não cabe só ao governo da vez. Na Escola São Domingos, a poucas quadras do prédio onde Ivi trabalha, uma crise se instalou porque uma mãe negra viu a filha ser alvo de racismo por parte de crianças brancas . O diretor do colégio demorou a dar uma resposta à altura da mãe, que se sentiu lesada. Ele foi omisso para tratar a questão de racismo em sala de aula, na visão dela. Mães brancas passaram a apoiá-la. Por que algumas crianças se sentem autorizadas a expor uma suposta diferença com outros amigos?

    Há uma lei específica que trata da educação que abrange a história negra no Brasil . E há um governo que promete abraçar a pauta antirracista em vias de retomar o poder. Lula está sendo cobrado a ter mais mulheres e negros em seus ministérios. Ao mesmo tempo, é criticado por querer aumentar o número atual de pastas de 25 para 37.

    Só que a pauta antirracista já não é a mesma de 20 anos atrás e requer um trabalho muito mais específico para retomar o que foi destruído nos últimos anos. Ela vem com muito mais força e não pode admitir recuos. Nem do PT no poder, nem das famílias brancas, seja de escolas privadas, como a São Domingos, considerada progressista, seja de pessoas que precisam reavaliar suas posturas – e não só no discurso.

    A questão da igualdade racial deve atravessar todos os ministérios.

    Embora ainda seja exceção, os racistas hoje começam a ser coibidos na rua por quem testemunha ataques covardes a pessoas de pele negra e se tornaram alvos de denúncia em reportagens na TV. Algo inimaginável até bem pouco tempo atrás. Não é um trunfo, mas um sinal de que não cabe mais o silêncio cúmplice de outrora. Há campanhas em redes de varejo anunciando em cartazes: “Racismo é crime”, e empresas pressionadas a contratar mais pessoas pretas em pé de igualdade com os demais.

    Ainda é muito pouco diante dos índices de violência , de desigualdade salarial e de escolaridade . É preciso dar um salto verdadeiro nesse quesito. É pauta de educação das crianças brancas, e de almoço de domingo.

    No governo de transição, os debates sobre a pauta negra miraram todas as áreas: educação, saúde, segurança pública e até acordos diplomáticos internacionais. A pauta não pode ser um penduricalho, como se tornou no governo Bolsonaro, ou aglutinada a outros, como aconteceu durante o governo Dilma, observa Yuri Silva, coordenador de direitos humanos no Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, que participou do governo de transição. O futuro ministro da Justiça Flávio Dino já deu seu recado nesse sentido . Nomeou negros, como a advogada Sheila de Carvalho, da Coalizão Negra por Direitos, Tamires Sampaio e Diego Galdino, para cargos chave no ministério.

    A questão da igualdade racial deve atravessar todos os ministérios. A expectativa é alta, porque não podemos ser o país onde negros são espancados e torturados em supermercados, como aconteceu no Carrefour, em 2020 , em Porto Alegre, ou no Atakarejo, na Bahia, em 2021 . “Esta foi a eleição das nossas vidas, sobre o direito da nossa geração de viver e ser quem é, sem opressão, sem jugo de extrema direita”, disse Yuri Silva à coluna. Não há ilusões de que em quatro anos tudo estará resolvido. Que fique menos pior, sim. O governo pode dar um passo de um lado, mas os não negros precisam ser chamados à responsabilidade.

    The post PT planeja abraçar antirracismo – mas pauta não pode depender apenas do governo da vez appeared first on The Intercept .

    • wifi_tethering open_in_new

      This post is public

      theintercept.com /2022/12/21/pt-planeja-abracar-antirracismo-mas-pauta-nao-pode-depender-so-do-governo/

    • Pictures 2 image

    • visibility
    • visibility
    • chevron_right

      Haddad vira coringa de Lula

      news.movim.eu / TheIntercept · Wednesday, 7 December, 2022 - 16:08 · 5 minutes

    BRAZIL-ELECTION-HADDAD

    Ilustração: The Intercept Brasil; Getty Images

    Para acompanhar os textos de Carla Jimenez em primeira mão, assine a newsletter do Intercept.

    O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva tem mantido a calma nos dias que antecedem a sua diplomação para o cargo, num contraste com a ansiedade dos agentes políticos e do mercado financeiro para conhecer quem vai suceder Paulo Guedes. A torcida por Fernando Haddad é evidente dentro do círculo próximo a Lula, mas interlocutores do ex-prefeito de São Paulo não cravam 100% que seu lugar será no Ministério da Fazenda. “Ninguém sabe exatamente o que Lula tem em mente”, diz à coluna uma fonte próxima a Haddad.

    O mistério terá fim na próxima semana, quando as nomeações vão se tornar o grande fato político. A expectativa é que os nomes sejam conhecidos logo após a cerimônia de diplomação no Tribunal Superior Eleitoral, no dia 12 de dezembro, quando Lula e Geraldo Alckmin serão confirmados presidente e vice eleitos.

    Haddad já está participando das reuniões do grupo de economia da equipe de transição desde a semana passada. Nesta segunda, 5, ele chegou a Brasília para se reunir com Lula, sem deixar claro sobre qual seria o assunto. “É para falar de assuntos econômicos ou outras questões?”, perguntou um repórter do G1. “Estou tratando disso agora”, respondeu despistando o potencial ministro.

    Desde que a transição começou, o candidato derrotado ao governo de São Paulo tornou-se uma espécie de coringa para o ministério de Lula, com credenciais para ocupar outras pastas, além da Economia. Formado em direito, com mestrado em economia, e doutorado em ciência política, já foi cotado para o Itamaraty, Educação e para o Planejamento.

    Há quem considere esta última pasta como a mais indicada para o seu perfil de formulador de políticas públicas. Nesse caso, as reuniões com a equipe econômica fariam sentido, uma vez que o Planejamento organiza as políticas de gestão da administração federal e atua próximo à Fazenda.

    Mas sua passagem como prefeito de São Paulo, quando conseguiu renegociar dívidas da cidade com a União — que caiu de R$ 80 bilhões para R$ 30 bilhões em sua gestão (2013-2016) — e garantiu investimento recorde para a capital paulista, seria o melhor cartão de visita para se perfilar ao cargo na Fazenda. “Ele é um ótimo nome, de integridade moral, e deixou marcas importantes em sua passagem como prefeito da maior cidade do país, além da passagem exitosa no ministério da Educação”, defende o advogado Marco Aurélio de Carvalho, líder do grupo Prerrogativas, que integra a equipe de Justiça e Segurança Pública no governo de transição.

    Faltam verbas para quase todas as pastas, para aposentadorias, para universidades e até para combate às queimadas na Amazônia

    Apesar disso, seu nome desperta resistência entre agentes financeiros, pelo temor da politização da economia em nome do ‘social’.

    No final de novembro, Haddad negou que tenha sido convidado para ser ministro da pasta que Guedes está deixando. Ele também negou em 2018, até o último minuto, que poderia vir a concorrer à presidência no lugar de Lula, preso em abril daquele ano. Ao fim, foi cabeça da chapa e concorreu com Bolsonaro, sendo derrotado no segundo turno.

    A semana é decisiva para os petistas, incluindo a votação sobre o orçamento secreto no Supremo Tribunal Federal, que começa nesta quarta-feira. O núcleo lulista cruza os dedos para que o instrumento seja derrubado pela Corte para garantir margem de manobra na negociação junto ao Congresso. O presidente da Câmara, Arthur Lira, do PP de Alagoas, sabe o poder que tem a perder com o fim da chamada emenda do relator, que garantiu a distribuição de verbas entre aliados e manter a influência na Casa. O orçamento secreto, porém, ajudou a desorganizar as contas públicas e a encurtar o cobertor para políticas sociais.

    PEC dos Gastos

    É fato, ainda, que para garantir a gestão no ministério que for, o governo eleito precisa da aprovação da PEC do Teto de Gastos para acomodar o orçamento do Bolsa Família e suprir todas as carências e lacunas que a administração Bolsonaro está deixando. O orçamento de 2023 preparado pela equipe de Guedes, por exemplo, não contempla R$ 600 como benefício social, somente o pagamento de R$ 400 a partir do ano que vem.

    Faltam verbas para quase todas as pastas, para aposentadorias, para universidades e até para combate às queimadas na Amazônia, como vêm constatando os integrantes do governo de transição. Mas, uma das faltas de recursos mais sensíveis são para as áreas que atendem as políticas sociais, voltadas aos brasileiros mais carentes: o grande eleitorado de Lula.

    Uma nota técnica elaborada por consultores do orçamento da Câmara dos Deputados mostra o potencial de criar uma armadilha para Lula, caso o plano prometido durante a campanha de pagar R$ 600 de Bolsa Família nos próximos quatro anos seja concretizado, ainda mais com o acréscimo de R$ 150 por filho. Os R$ 600, aliás, se tornaram praticamente obrigatórios para garantir a redução da pobreza que se alastrou no país, segundo o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social: o Brasil passou de 50,9 milhões de pessoas pobres em 2020 para 62,5 milhões em 2021, como divulgou o IBGE na semana passada.

    Há, ao menos, 8 projetos sendo discutidos para acomodar a responsabilidade social e fiscal do próximo governo, com boa vontade de parlamentares para corrigir o aumento da pobreza deixada pelos anos Bolsonaro.

    Se não houver alguma alternativa para controlar as despesas extras, a dívida pública saltaria de 79% para quase 90% — um veneno para qualquer retomada econômica, uma vez que ficaria condicionada à emissão de títulos públicos e juros mais altos. Nesse caso, nem Haddad nem nenhum super ministro, pró-mercado ou não, seria capaz de garantir uma perspectiva de crescimento da economia.

    The post Haddad vira coringa de Lula appeared first on The Intercept .

    • chevron_right

      Exército ilude golpistas em São Paulo

      news.movim.eu / TheIntercept · Tuesday, 29 November, 2022 - 09:04 · 6 minutes

    Coluna-Carla-Jimenez-Mutirão-Pop-Rua

    Ilustração: The Intercept Brasil; TRF3

    Para acompanhar os textos de Carla Jimenez em primeira mão, assine a newsletter do Intercept.

    Uma fila quilométrica circundava a Praça da Sé na última quarta-feira, dia 23, no centro de São Paulo. Estava perto da hora do almoço e a notícia da marmita grátis corria rápido pela área. Era só chegar naquelas barracas, rodeadas por policiais, militares do Exército e voluntários uniformizados ajudando quem se apresentasse para entrar num cercadinho. Passando a barreira de metal, recebiam um vale-quentinha e ali se davam conta de que podiam ser atendidos nas dezenas de postos de atendimento do Mutirão Pop Rua , que reuniu mais de 40 instituições para ajudar uma população invisível a recuperar um pouco da sua existência.

    A maioria fazia fila para tirar o RG e fazer o cadastro para os benefícios sociais do governo. Outros aproveitavam para solicitar sua certidão de reservista. Homens e mulheres trans foram mudar seu nome social na documentação. Alguns exibiam felizes o esparadrapo no braço depois de tomar vacina, ou o cabelo recém-cortado. “Vou poder visitar a minha mãe!”, dizia, exultante, Donivaldo de Souza Tavares, de 45 anos, que mora num albergue da prefeitura, com comprovantes da sua documentação renovada em mãos. Dali, poderia se inscrever num programa municipal de emprego e garantir uma renda para comprar roupas novas e uma passagem para Leme, no interior paulista, onde mora sua mãe.

    Quem diria que manifestantes golpistas, que se instalaram em frente aos quartéis do Brasil para contestar o resultado da eleição, dariam holofotes a esse mutirão. Foi com uma profusão de vídeos de influenciadores de extrema direita alardeando que a Praça da Sé, marco zero de São Paulo, estava sendo tomada pelo Exército no domingo, dia 20, que a cidade tomou conhecimento da operação da qual o Exército fazia parte.

    Soldados fardados num dos principais cartões da cidade renderam as mais variadas especulações sob a hashtag #PraçadaSé em redes bolsonaristas. A crença geral é de que finalmente o golpe de estado ia começar ali, pelo centro de São Paulo.

    Sim, militares estavam erguendo barracas em frente à Catedral da Sé no dia da Consciência Negra. E os golpistas obcecados pela tomada de poder a qualquer custo estavam convencidos de que suas preces haviam sido atendidas. Segundo eles, aquela movimentação era um treinamento do Exército, e o alarme falso se espalhou nos grupos antidemocráticos de WhatsApp e Telegram.

    Eis que a realidade bateu à porta dos extremistas naquele mesmo domingo, quando a juíza federal Marisa Claudia Gonçalves Cucio se aproximou de um blogueiro de verde e amarelo que filmava a movimentação da praça: “Você não quer me entrevistar?”, perguntou ela a Jakson Vilar, que falava da tal manobra militar a seus seguidores.

    Foi então que a juíza explicou ao blogueiro que a movimentação militar integrava o Mutirão Pop Rua, uma ação de três dias ao ar livre para ajudar as pessoas em situação de rua, invisíveis para milhões de “cidadãos de bem”, a regularizarem seus documentos e terem acesso a benefícios sociais garantidos pela Constituição.

    As Forças Armadas são parceiras constantes de ações de cidadania. Não, o Exército não é feito só de golpistas.

    A ação é derivada da Política Nacional de Atenção a Pessoas em Situação de Rua, instituída em 8 de outubro de 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça, que prevê o respeito à dignidade da pessoa humana e o acesso aos direitos de cidadania e às políticas públicas para a população mais vulnerável. Outros mutirões do gênero começam a ser replicados em áreas rurais do Brasil. É assim que se fortalece a democracia num país onde a Constituição prevê que “todos são iguais perante a lei”.

    Mas naquele domingo, o mutirão fazia um contraste com os pleitos dos bolsonaristas. Os manifestantes não sabiam que as Forças Armadas são parceiras constantes de ações de cidadania. Não, o Exército não é feito só de golpistas.

    Àquela altura, a ilusão coletiva de que um golpe militar era orquestrado na praça da Sé obrigou os organizadores do Pop Rua a improvisarem uma operação de contrainformação: dois juízes da equipe organizadora ficaram até tarde da noite do domingo entrando em grupos de Telegram e passando o link com informações do evento real para evitar um choque de “visitantes”. Em vez de receber os brasileiros do mundo paralelo bolsonarista, a ação de cidadania era para o Brasil real, para pessoas consideradas “párias” da sociedade por muitos desses “patriotas” desinformados.

    Ao ver centenas de servidores voluntários do poder Judiciário orientando a população carente, dava até para dizer: as instituições no Brasil estão funcionando. Um dos voluntários me contou que um morador de rua havia descoberto naquele mutirão que tinha R$ 27 mil a receber do INSS. Jamais saberia se não tivesse a oportunidade de estar ali, ao ar livre, com outros como ele. “Eles não se sentem à vontade para entrar em prédios públicos para ver sua situação legal”, contou a magistrada Cucio, que não escondeu o entusiasmo com o projeto. “Não estamos inventando nenhum direito, estamos simplesmente dando acesso”, disse ela, que atua na 12ª Vara Cível Federal de São Paulo.

    Enquanto a juíza e os mil voluntários do mutirão se movimentavam pela Praça da Sé na última quarta, os golpistas tiveram de encarar outra decepção: a coligação Pelo Bem do Brasil – formada por PL, Republicanos e PP –, que lançou a candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, recebeu uma multa de R$ 22,9 milhões do Tribunal Superior Eleitoral por seu pedido esdrúxulo de questionar a idoneidade de quase 60% das urnas apenas na eleição de segundo turno. A malandragem visava manter os votos daquelas mesmas urnas questionadas no primeiro turno e sugeria que as do segundo turno não seriam confiáveis. Justamente os que deram vitória a Luiz Inácio Lula da Silva.

    A tropa ficou desnorteada, ao mesmo tempo em que alguns atos em frente aos quartéis começaram a fraquejar. “Patriotas… nosso movimento está fraquíssimo hoje… desistir não é opção”, cobrava um militante do Rio num grupo de WhatsApp na última segunda-feira.

    O ensaio para a  “invasão do Capitólio brasileira” parece ameaçado. Até a imprensa passou a chamar os manifestantes pelo que eles de fato são: golpistas. Para sair do cativeiro montado pela extrema direita autoritária, é preciso ter coragem de recorrer ao óbvio, como se viu na Praça da Sé: mais democracia. “A política anda conforme a sociedade se movimenta”, filosofava Joel Oliveira, exibindo seus documentos novos e o esparadrapo no braço depois de se vacinar no Pop Rua. Repetia a frase que ouvira, segundo ele, do jornalista Ricardo Boechat, que faleceu em 2019. Agora, é seguir o jogo.

    The post Exército ilude golpistas em São Paulo appeared first on The Intercept .

    • chevron_right

      Vitória de Lula não vai dar fim ao caos

      news.movim.eu / TheIntercept · Tuesday, 1 November, 2022 - 09:01 · 5 minutes

    lula-vitoria-caos-bolsonaro-coluna-carla-jimenez

    Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Getty Images

    Acabou. Acabou o governo perverso, que fez o Brasil chorar de tristeza tantas vezes, que colocou o país num clima de eterna pandemia, que levou ao limite a sanidade mental de mais de 60 milhões de brasileiros que votaram contra ele neste domingo. Quando a apuração já mostrava uma vantagem irreversível de Lula, um áudio emocionado de uma pessoa que viu o pai morrer de covid-19, pela negligência deliberada do estado, pipocou no whatsapp. A dor misturada à emoção naquela voz mostrava de onde vieram os mais de 2 milhões de votos a favor de Lula que o separaram de Jair Bolsonaro. Apesar de tudo contra, da máquina pública abertamente a favor da campanha pela reeleição, o Brasil disse não a mais quatro anos de governo de ultradireita armamentista.

    O Nordeste salvou, Minas Gerais ajudou, e a organização da sociedade civil no Pará, incluindo as aguerridas comunidades indígenas, foi decisiva. Foram exatos 435.189 votos paraenses a mais para o antibolsonarismo num dos estados mais violentados pela política morticida contra a Amazônia. A resistência nos estados mais bolsonaristas, como o Paraná, ou o Mato Grosso do Sul, não pode ser desmerecida. É ela que vai ter ainda mais trabalho para reconstruir as pontes que foram rompidas e denunciar os abusos que seguirão sendo cometidos regionalmente.

    A vitória é fantástica, embora agridoce. Não só pelas perdas no caminho, os quase 700 mil mortos por covid-19, o desmatamento recorde nos biomas, os ataques ao SUS, à educação, à ciência e à cultura. Ou pela política de extermínio escancarada com Genivaldo de Jesus Santos , o homem assassinado numa câmara de gás improvisada no porta-mala de um carro da Polícia Rodoviária Federal em 26 de maio deste ano. É agridoce também porque o bolsonarismo está aqui, com Tarcísio de Freitas eleito governador de São Paulo, depois de uma campanha marcada pelo assassinato de um homem desarmado durante a visita do então candidato à comunidade de Paraisópolis neste segundo turno. Há, ainda, deputados e senadores recém eleitos no Congresso que continuarão jogando abaixo da cintura, buscando holofotes a qualquer preço para evitar a perda da coroa.

    Os caminhoneiros golpistas, que fecharam estradas no sul e na via Dutra no mesmo domingo da vitória de Lula, também fizeram questão de lembrar que a toada de caos seguirá, com a lógica da pressão pelo terror. Pedem intervenção militar e vão testar os nervos da democracia por muito, muito tempo. Vai ser preciso paciência. A mesma que foi necessária do primeiro para o segundo turno.

    A maioria dos eleitores que votaram contra Bolsonaro queriam que as eleições deste ano tivessem se encerrado em 2 de outubro. Mas os 1,8 milhão de votos que faltaram a Lula para fechar a fatura foi um recado contundente ao partido que já carrega as máculas de corrupção de outros carnavais. Ao fim e ao cabo, foram semanas didáticas entre os dois turnos. Os intermináveis 28 dias para chegar ao último domingo colocaram o Brasil tóxico do bolsonarismo em estado bruto. Dos disparos de fuzil de Roberto Jefferson em direção aos agentes da Polícia Federal que tentavam prendê-lo ao teatro da deputada Carla Zambelli, de arma em punho para devolver uma agressão verbal proferida por um homem negro em São Paulo. Tudo filmado e viralizado em redes sociais, numa das eleições mais eletrizantes de que se tem notícia.

    A toada de caos seguirá, com a lógica da pressão pelo terror.

    O relato de eleitores virando voto por algum desses episódios se multiplicaram. O choque com a violência de Jefferson, uma figura repulsiva que xingou a ministra Cármen Lúcia — uma cena inacreditável quando o público feminino era o mais disputado das eleições — e as mentiras de Zambelli desfeitas por inúmeros vídeos estarreceram até os próprios bolsonaristas.

    Para um outro público, que rejeitava os dois candidatos, os episódios falaram mais sobre as diferenças entre o lulismo e o bolsonarismo do que os debates dos presidenciáveis, como se pensou a princípio. Foi por pontos, mas venceu a melhor proposta na visão da maioria dos eleitores.

    A vitória nessas condições, com 58 milhões de votos contra um governo do PT, precisa colocar o campo progressista para refletir e agir. O Lula vencedor não é o mesmo de 2002, assim como o Brasil não é o mesmo de 20 anos atrás. Muita água já passou por baixo desta ponte, e o eleitor que deu a vitória nas urnas ao petista está longe de ser fechado incondicionalmente com ele. Ele não ostenta botons de Che Guevara ou boné de Cuba na cabeça. Ele fechou com a democracia, com Simone Tebet e Marina Silva, com Fernando Henrique Cardoso — que conquistou eleitores decisivos ao pedir voto por Lula na reta final —, e com a trupe de economistas Henrique Meirelles, Pérsio Arida e Armínio Fraga.

    O caminho é longo e de muitas nuances. Não há espaço para descansar sobre os louros. Que o diga o presidente do Chile Gabriel Boric, que derrotou o pinochetista José Antonio Kast no segundo turno das eleições de dezembro do ano passado com 56% dos votos contra 44% do adversário. Com apenas seis meses no cargo, Boric tinha só 27% de apoio popular, depois de uma frustrada mudança da Constituição.

    Lula e toda a frente que o apoiou têm uma chance de fazer o Brasil dar certo. Será um trabalho aguerrido não só da classe política, mas de toda a sociedade. Nunca nos foi exigido tanto que a organização e disciplina parta de nós mesmos, enquanto cidadãos e nas instituições que ocupamos. A missão está no nosso colo: trabalhar para evitar as armadilhas do caminho. Limpar o veneno despejado pelo bolsonarismo vai levar anos, o que pede muito mais do que este voto de domingo. A trilha é longa e vai servir para testar a humildade do campo progressista, sem superioridade moral para afastar antigos aliados. Ainda estamos assustados com o fim do silêncio forçado pela política de terror do governo e precisamos usar a palavra para construir, não para tripudiar sobre os perdedores. Por ora, vamos celebrar a firmeza, o altruísmo e nossa fé a toda prova. Vencemos.

    The post Vitória de Lula não vai dar fim ao caos appeared first on The Intercept .